“Lembre-se
de respirar usando os músculos abdominais!”
Esta foi a última recomendação do médico
responsável, antes que eu entrasse na cápsula de
teste da centrífuga. Dentro, o espaço era reduzido.
Assumi a posição no assento, enquanto um técnico
ajudava com os cintos de segurança e a conexão dos
sensores biomédicos. No meu braço direito, o velho
conhecido medidor de pressão sanguínea. No peito,
os sensores de batimento cardíaco e respiração.
O assento era em posição horizontal, isto é,
como antes do lançamento, deitado sobre as costas. Tudo
conectado, tudo pronto, capacete colocado, microfone de contato
corretamente posicionado, prosseguimos no teste das comunicações.
“Marcos! Como está me ouvindo?”, perguntou
o diretor de teste.
“Alto e claro”, respondi.
Seguiram-se as instruções finais do diretor: “Observe
o painel a sua frente. Existem luzes vermelhas e verdes espalhadas
ao longo de todo o seu campo de visão na barra central.
No centro do painel, você encontrará uma fita com
dez círculos cortados identificados por números
de zero a nove. Note que os círculos vão ficando
graduamente menores à medida que seus números aumentam.
Ou seja, o círculo zero é o maior e o círculo
9 é o menor. Os cortes são em direções
diferentes. Quando eu disser, durante o treinamento, olhe para
os círculos e memorize o lado do corte e o número
do menor círculo que voce puder enxergar. Ainda, durante
o teste, em momentos aleatórios, algumas das luzes vermelhas
e verdes irão acender. O controle que você tem na
mão direita tem dois botões. O botão inferior,
no seu dedo indicador, com forma de gatilho, você deve manter
comprimido durante toda a atividade. Se você soltar esse
botão, a centrífuga será estacionada e o
teste será terminado. O botão superior, no seu polegar,
deve ser pressionado apenas quando alguma luz vermelha acender,
em qualquer posição do painel. O teste terá
duas fases. Ele iniciará com a aceleração
gradual da centrífuga, durante alguns minutos, para 4 ‘g’.
Esse fator de carga será mantido por um minuto. Durante
esse tempo, eu estarei falando contigo e você treinará
as técnicas para resistir e sobreviver nessas condições.
Após isso, a rotação será reduzida
lentamente até cessar. Teremos então 5 minutos de
intervalo e comentários. Em seguida, virá a segunda
fase. Nessa fase a rotação será mais intensa
e a aceleração inicial mais rápida até
atingir 8 ‘g’. Você precisa resistir a essa
carga por um minuto. Use as técnicas aprendidas na primeira
fase e a sua experiência como piloto de caça. Dúvidas?”
“Sem perguntas”, respondi.
“Pronto para iniciar?”
“Pronto!”
“Uma última coisa.”, disse o diretor.
“Não fale nada durante alto fator de carga!”
Eu sabia daquilo. Falar durante alto fator de carga transversal,
além de atrapalhar a respiração, poderia
resultar em danos na minha caixa toráxica.
Esse
tipo de teste em centrífuga é necessário
para determinarmos as reações individuais e melhorarmos
nossa resistência quando submetidos às extremas condições
dinâmicas que podem ser encontradas durante o vôo.
Em condições normais, durante a fase de inserção
em órbita, na subida, teremos de 3 a 4 ‘g’.
No regresso da missão, na reentrada na atmosfera, essa
carga varia entre 4 e 5 ‘g’. No caso de uma reentrada
anormal, como no perfil balístico ocasionado por alguma
emergência no espaço que necessite descida rápida,
o ângulo de reentrada é maior, assim como o fator
de carga. Nessa situação, estaríamos submetidos
a uma carga de 8 a 10 ‘g’!
Nesse ponto, é importante entender o que é fator
de carga e como ele afeta o funcionamento do nosso organismo.
Fator de carga é o nome técnico dado às acelerações
as quais o nosso corpo é submetido durante a trajetória
de vôo. Em situação normal, em pé na
superfície do planeta, estamos submetidos à aceleração
da gravidade, com valor de 1 ‘g’ (1 gravidade “média”
= 9.8 m/s2), no sentido vertical, apontado da nossa cabeça
para os nossos pés. Isso gera o nosso peso, a força
que podemos medir na balança! Essa direção
de fator de carga, ao longo do eixo entre a cabeça e os
pés, é chamada “longitudinal”. Essa
é a direção normal de carga a qual ficamos
expostos, sentados na cabine dos aviões, durante vôos
acrobáticos, por exemplo. Por outro lado, se ao invés
de ficarmos em pé, deitarmos no solo, olhando para cima,
estaremos submetidos a 1 ‘g’ na direção
“transversal”. Devido ao posicionamento das cadeiras
da espaçonave em relação ao seu perfil de
movimento, esse é o tipo de fator de carga primário
ao qual estaremos sujeitos durante o vôo espacial. Os efeitos
de fatores de carga longitudinais e transversais são diferentes.
Contudo, de forma geral esses efeitos são relacionados
com a multiplicação do esforço estrutural
e a redistribuição de líquidos no corpo,
segundo a direção de aplicação do
fator de carga. Por exemplo, no caso longitudinal, imagine que
você está em pé sobre uma balança.
Submetido a 1 ‘g’, como normalmente estamos, você
leria o seu peso usual, digamos 70 kg. Caso você estivesse
em condições de 5 ’g’, como ficamos
quando executamos um “looping” durante uma demonstração
aérea, você leria seu peso, na mesma balança,
como 350 kg! Imagine os esforços extras, devido a esse
aumento repentino de peso, sobre sua estrutura óssea e
muscular, assim como a compressão nos seus órgãos!
Além disso, seu coração teria de bombear
sangue para seu cérebro contra uma gravidade 5 vezes maior
que a usual. A pulsação aceleraria rapidamente.
Apesar dos esforços de compensação do organismo,
essa condição resultaria na diminuição
da irrigação sanguínea na sua cabeça,
isto é, menos oxigênio para os orgãos ali
instalados. Resultado? Depois de algum tempo, que depende da intensidade
do fator de carga, mas geralmente entre 5 a 15 segundos para 5
‘g’, a sua visão teria os primeiros sintomas
da falta de oxigênio, parando de funcionar. A perda de consciência
viria logo na sequência. No caso da direção
transversal, não ocorre o problema de circulação
sanguínea na cabeça. Mas a força resultante,
entre outras coisas, afeta os olhos, deforma orgãos internos,
comprime a garganta e impede a respiração normal
com a caixa toráxica.
Certamente, existem técnicas operacionais que utilizamos
para resistir a esses esforços usando nossos músculos
para reduzir seus efeitos. Esse treinamento é um dos objetivos
da centrífuga, onde o aumento de fator de carga é
obtido através da aceleração centrípeta
gerada pelo movimento circular da cápsula de teste.
“A
rotação está iniciando”, falou o diretor.
Dentro da cápsula, eu pude sentir a aceleração
aumentando. Procurei parar os braços e a cabeça
em posição confortável. Quatro ‘g’.
A sensação de pressão sobre o tórax
é desagradável, mas tolerável. Respirar com
o abdomem não é natural. O movimento saiu forçado.
Exige treino. Mas não é difícil. Luzes acenderam.
Pressionei o botão. “Cuidado para não confundir
os botões”, pensei. O diretor perguntou sobre os
círculos. Consegui identificar até o círculo
sete. O seu rasgo estava para cima. A rotação reduziu.
Respirei, literalmente, aliviado. Olhei para a câmera, instalada
no painel diretamente apontada para o meu rosto. Fiz um sinal
de positivo. O diretor comentou a primeira fase. Perdi algumas
luzes. A respiração poderia ser mais rápida.
No geral, tudo tranquilo. Podíamos prosseguir para a segunda
fase.
De modo estranho, achei essa fase mais fácil, apesar de
ter o dobro do fator de carga. Provavelmente devido ao aprendizado
durante a primeira fase, fui capaz de adaptar rapidamente à
situação de 8 ‘g’. O teste terminou
rápido. Sem problemas. O giro parou, desamarrei da cadeira
e sai da cápsula ainda um pouco desorientado. Caminhei
lentamente para a saída enquanto pensava sobre o teste.
“Interessante, de certa forma isso aqui é uma simulação
do que passamos durante a nossa vida. Enquanto os dias ‘giram’,
as pressões aumentam e diminuem. Sobreviver é então
uma questão de adaptar-se rapidamente e continuar respirando!”
A
reprodução deste artigo é permitida
desde que seja na íntegra e que seja citada a fonte:
www.marcospontes.net |